Mas eu me mordo de ciúmes... peraí, EU NÃO!



         Um dia voltando para casa em um ônibus, ouvi a conversa de uma passageira que se encontrava sentada na poltrona da frente. No início ouvi trechos distorcidos que, por algum motivo, me chamaram a atenção. No decorrer da conversa ao conectar os fatos, percebi o tamanho do problema. Agregados a esses fragmentos de conversa pude perceber o calibre do desespero da moça. Então, era uma adolescente, aproximadamente 17 anos, que tinha escapado por pouco de um crime passional (pelo o que entendi, ela chegou a ficar famosa no tribunal por sobreviver dadas as condições em que tudo aconteceu). Falava ao telefone com, possivelmente, uma amiga e demonstrava um desânimo proporcional à sua condição.
          O ex, que estava detido, seria libertado e iria tentar terminar o que começou. Ela conformava-se com o fato de que sofreria novamente um atentado, já que as ameaças continuavam. Percebi que ela encaminhava a conversa para um lado quase doentio, dizendo que aceitava a morte e que perdoaria ele, que a única maneira daquilo terminar seria com o fim de sua vida. Era notável a tentativa da amiga em fazê-la mudar de idéia, no entanto, ela só dizia que os esforços seriam em vão e que o ex  iria acabar chegando até ela. Por isso recusava a participar de festas, de cursos, de passeios, de qualquer coisa que trouxesse  expectativas e algum futuro.
           Desconheço o desfecho da história dessa anônima, mas com certeza mexeu comigo. Fiquei remoendo tudo aquilo por dias. Como é possível uma pessoa com todo um futuro pela frente se envolver com esse tipo de pessoa? Como viver com toda aquela insegurança? Como sair dessa situação? Como saber o tipo de pessoa que nos envolvemos?  Com certeza questões muito complexas de se responder, já que quando nos encantamos por alguém nosso pisca-alerta para perigo fica desligado.
           Não dá para adivinhar o futuro, mas dá para prestar a atenção a certos sinais de passionalidade, como preocupação persistente, perfeccionismo, inflexibilidade, desconfiança, entre outros. E não precisa ser um nível de passionalidade tão extremo, excessos de ciúmes são freqüentes de se ver. A todo dia deparamos com pessoas assim, sabemos de amigos que sofrem por isso ou até mesmo vivenciamos. E mais uma vez, podemos até perceber alguns sinais desse comportamento bem no princípio, mas sempre achamos que aquilo será amenizado com o decorrer da relação, ledo engano. O fato de não repreender essas atitudes permite que essas reações exacerbadas ocorram, fortalecendo assim a má conduta do outro. 
          Dizem que o ciúme tempera uma relação e que, em certa dose, é benéfico. Ou seja, reflete se o interesse mútuo ainda é mantido. Além disso, é comum ouvir que quem ama cuida. Ou seja, mostra o zelo que se tem  fortalecendo a exclusividade e valorizando a relação. Até concordo com essas afirmações, mas ciúme para mim está intimamente ligado à insegurança. 

           A verdade é que em menor ou maior grau todos sentimos ciúmes. Isso ocorre porque acreditamos em ter um pouco de posse sobre o outro e, quando sofremos ameaças na instabilidade ou qualidade de nossos relacionamentos, tendemos a tomar atitudes irracionais.
O ciúme pode ser normal ou patológico. Geralmente, esse sentimento é passageiro e baseado em fatos reais e tem por objetivo manter o relacionamento. No entanto, quando apresenta desconfiança excessiva, preocupações infundadas, exageradas e mostra, inconscientemente, o medo de perder o parceiro para um adversário (real ou imaginário) esse sentimento caminha para o lado patológico.
           Em relacionamentos é comum surgir inseguranças do tipo falta de envolvimento do parceiro, aparecimento de uma pessoa muito atraente, etc. O ciúme aproveita disso e enraíza a imaginação, dando surgimento às dúvidas, que posteriormente terão a necessidade de serem confirmadas por visitas repentinas na casa do dito cujo, checagem em chamadas do celular, etc. No fundo pessoas assim estão constantemente tentando arrancar confissões ou caçando evidências que ratifiquem suas suspeitas. 

O que antes era zelo e dava o ar da graça ao relacionamento, começa a soar como vigilância cerrada. Dessa forma o ser ciumento transforma-se em uma fera vigilante, mantendo-se estressada, ansiosa, e intempestiva nas atitudes adotadas (muitas vezes agressivas e acusadoras) o que afeta a evolução da relação. Na tentativa de minimizar essas crises a vítima começa a omitir alguns fatos, o que acaba piorando a situação. O próximo passo é protagonizar cenas ridículas e constrangedoras publicamente.  Em seguida, o ciúme instalado tira o resto de  tranqüilidade,  paz e confiança do casal. 



Esse ciúme toma uma proporção tão grande que fica cada vez mais claro o desejo de total controle sobre a vida, sentimentos e comportamentos do parceiro, causando inúmeros transtornos. 
Essa pessoa afasta de seus amigos, fica agressiva com a família, além de ficar tão obcecada com esses pensamentos que sua produtividade (no trabalho ou na vida acadêmica) chega a cair.

É difícil traçar um padrão de pessoas que tendem a ser assim, mas acredita-se estar ligado ao modelo familiar que essa pessoa esteve inserida. Se quando criança recebeu muita atenção dos pais, futuramente poderá apresentar dificuldades em se relacionar com mais de uma pessoa. Assim, terá a tendência de se relacionar unicamente com uma pessoa, vivendo em função dela e exigindo exclusividade, o que dificultará sua socialização e relacionamento amoroso, já que sentirá ciúme sempre que seu parceiro se relacionar com outras pessoas além dela.
            Não sou noveleira, mas peço que se lembrem da Heloísa de Mulheres Apaixonadas. Rapidamente visualizamos uma pessoa agoniada, raivosa, triste, invejosa, deprimida e humilhada. Ao tentar retomar o controle da situação ela sentiu culpa e alguns ressentimentos. No decorrer da história, sempre se comparava com sua rival, tinha questionamentos constantes quanto ao marido, buscava freneticamente confirmações de suas dúvidas e agia agressivamente. 

            Voltando ao início do texto, o ciúme e a preocupação em perder a pessoa com quem estamos nos relacionando, transforma-se, constantemente, no estopim do crime passional.
Ainda acredito que relações doentias de ciúmes só ocorrem com o aval do parceiro que desde o princípio permitiu que agissem daquela forma e, por isso, deu força e espaço para que se repetisse. Mas quem sou eu para achar alguma coisa...
O fato é que o ciúme patológico é considerado  um distúrbio de causas complexas, onde haverá conseqüências psicológicas para ambas as partes, vítima do ciúme e o ciumento, podendo ainda ser o estopim para crimes passionais, como  citado no início do texto. Restam conselhos.  Pra você, vítima, vale incentivar que o outro se trate. Para você, ciumento, vale ter empatia pelo outro, desenvolver autoconfiança e ter um tratamento psicoterápico.

 “Os ciumentos sempre olham para tudo com óculos de aumento, os quais engrandecem as coisas pequenas, agigantam os anões e fazem com que as suspeitas pareçam verdades.” Cervantes.


P.S. Ah, só deixando claro que não sou ciumenta, apesar do título e do tema. Para eu sentir ciúmes, só presenciando alguma cena muito sem noção. 


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